sexta-feira, abril 06, 2007

com letra pequena

falar devagar, pensar devagar, viver depressa. não há tempo a perder, nem mesmo a tentar escrever com todos os dedos, para de futuro ser mais rápida. sei as letras de cor, e esqueço-me sempre como é que é com o b. esquece isto tudo, é de noite, já não há pressa para nada. está escuro, amanhã não tenho que me levantar cedo, ai de quem se atrever a acordar-me antes das nove, que eu sou uma besta quando me perturbam o sono e só perdoo ao despertador, depois de lhe dar umas valentes porradas a cada 9 minutos.
manhãs de domingo, de inverno ou de primavera, frias, as estradas vazias, as ruas desertas, os passaritos a passear pelos paralelos, uma única pessoa a atravessar aquela terra pequena enquanto todos dormem e o sol já brilha, e o ar que lhe entra pelo nariz gela-lhe as entranhas. está tudo quieto e parado, nem é assim tão cedo, mas não se vê vivalma, os cafés estão fechados, os quiosques também, tudo dorme, enquanto os pássaros tomam conta de tudo, é tudo deles àquela hora da manhã.
roda a chave na porta, podia ter vindo de bicicleta como faz no verão, perturbar aquele sossego, perseguir as avezitas pela rua fora, respirar fundo o ar que mais ninguém pode partilhar, cansar-se rua acima, acordar quem dorme. mas veio a pé, o frio faz com que tudo seja mais demorado, o passeio dura mais tempo e assim pode apreciar tudo com calma, deixar que a vida se entranhe na pele. caminha sempre pelo lado solarengo da estrada, absorvendo o pouco calor que o sol transmite, ganhando energia, acordando devagarinho.
sobe as escadas escuras, acende a luz, abre a porta da casa. Liga os equipamentos, fecha as janelas, procura uma cassete para gravar. Escolhe meia dúzia de discos para começar, devagar, ainda não quer acordar ninguém, é cedo, e é domingo, deixa estar quem descansa.
já não sei escrever, e comecei a reparar que escrevo imensas vezes a palavra não. a negação é uma chatice, ainda para mais se for sempre feita da mesma maneira.
subo as escadas escuras sempre a correr. odeio ir à casa de banho, este andar é escuro e depois tenho que subir as escadas depressa, antes que alguém venha e me apanhe. já bem me bastam os pesadelos em que sou perseguida toda a noite, sem que seja preciso mais esta escuridão a assustar-me. gozam comigo, dizem que tenho medo que o cão venha atrás de mim. qual cão, não há cão nenhum, mas esta escuridão é-me insuportável.
durmo sempre no carro, adormeço enquanto há movimento, e quando o carro pára acordo imediatamente. alguém me deve ter embalado constantemente enquanto era bebé. durmo com qualquer música. rock, pop, new age, clássica, heavy metal. o ritmo dá-me sono.
os hotéis na áustria correm-me sempre mal. já nem tenho vontade de experimentar mais nenhum, há sempre uns sacanas que começam a andar de um lado para o outro a partir das 6 da manhã que e não param nem por nada. ao domingo de manhã, sem paz nem sossego, e uma má disposição insuportável. só me apetece bater-lhes. perturbadores do sono alheio.
pára de falar comigo. pára de falar à minha beira. pára de fazer barulho. pára de olhar por cima do meu ombro. quero estar sozinha. deixa-me ser por um bocado. ser só eu, sem mais nada nem mais ninguém. eu e os meus pensamentos. eu e eu própria. eu e eu de há muito tempo. e e eu de aqui a muito tempo.
assim não se pode. não há condições.
quero ver o mar, as ondas a chegar à areia e a ir embora outra vez, a espuma branca e a água verde, a bater contra as rochas castanhas, e verdes das algas, e pretas do mexilhão, e ainda mais castanhas das lapas, quero ver os buracos nas rochas onde fica sempre água mesmo na maré baixa. quero sentir os salpicos da água depois de bater nas rochas, quero olhar para aquela água toda a ir e a vir, e ouvir os sons das ondas, e de algumas gaivotas, enquanto não há mais gente a perturbar, e fechar os olhos para sentir o sol a aquecer-me a pele, e a água a arrefecê-la. quero ficar só com os meus pensamentos, e o mar, e os meus fantasmas a fazerem-me companhia, a correr à minha volta, sentados nos bancos de pedra, a olhar-me da torre, a ver os telhados e os jardins lá de cima. quero ir passear sozinha com os pés descalços, a sentir a água fria, parar e deixar as ondas enterrarem-me cada vez mais fundo, e depois continuar, a minha avó gostava da água do mar, dizia que lhe fazia bem às pernas, e eu queimei o nariz quando ela esteve de férias connosco, e nem queria mais ir à praia.
desisto. não há mesmo condições.
(a areia a ficar com buraquinhos quando a onda regressa ao mar. escavar e encontrar bivalves. o cheiro à água salgada. os castelos na areia. a catedral de gaudi em barcelona, a parte feita por ele, que também parece um grande castelo na areia, terminado com areia molhada a escorrer da mão do criador, a fazer aqueles montinhos aqui e ali, irregulares, inesperados, perfeitos.)
1 comentário(s)

1 Comentário(s):

Perfeito.
Uns bons dias de praia.

By Blogger Eduardo, at 3:16 da tarde  

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