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Desde que comecei a ver mal (tinha miopia) que equacionei as alternativas a usar óculos. Não é que usar óculos não tenha as suas vantagens, mas sem dúvida que as desvantagens que me criavam não compensavam a única vantagem que lhe encontrei. Havia duas hipóteses: ou usava lentes de contacto, ou ia à faca, que é como quem diz, ao laser.
As lentes de contacto têm a vantagem de não ser óculos, ou seja, provavelmente não ficam sujas sem mais nem menos, resistem a narizes suados (não é costume o meu namorado enfiar o nariz dentro dos meus olhos) e sempre devem dar para coçar um bocadito o olho, nem que seja só nos cantinhos. Por outro lado, tem que se andar com líquido para trás e para a frente, e tirar e pôr aquilo todos os dias.
Quanto à operação, teria grandes probabilidades de sucesso, ou seja, de não mais precisar de usar óculos de todo, e os riscos aparentavam ser mínimos e reversíveis. O meu médico deve ser um bom vendedor, porque rapidamente me convenceu que esta seria uma boa opção para mim.
Confesso que se esta operação fosse feita com os métodos de antigamente, em que o médico teria uma faca na mão (ok, pronto, um bisturi) e faria um corte e mais sabe-se lá o quê, não me teria metido nisso. Aparentemente, confio mais em máquinas do que em pessoas, e não tive qualquer problema em confiar que o laser apenas cortaria um infinitésimo, um cabelo de um cabelo, e que mesmo que eu mexesse os olhos a máquina seria capaz de os seguir e não cortar nada no sítio errado.
Marquei a data para o mais próximo possível, o último dia antes das férias, e já sonhava em ir para as ondas sem ter que me preocupar em recordar a cor dos calções do meu namorado, para conseguir saber onde é que ele estava.
No entanto, tive uma sorte desgraçada. No próprio dia da operação, o laser avariou. O médico garantiu que era a primeira vez que acontecia desde que trabalhava com esse laser, há uma data de anos, e que teria sido uma espécie de lâmpada que tinha chegado ao fim da sua vida, como qualquer outra lâmpada normal. Pois... a minha sorte foi não estar debaixo do laser quando isso aconteceu, mas sim a avaria ter ocorrido enquanto testavam o aparelho.
Lá tive que ir de férias com os meus entretanto amigos óculos. Logo no primeiro dia, o meu filho acho que os óculos não tinham piada nenhuma, e tratou de os partir. Claro que não foi de propósito: ao saltar para as minhas cavalitas acertou-me nas orelhas e lá foram os óculos parar ao chão. Como estávamos numa rua nova, com gravilha no chão, uma das bordas partiu, ficando aquele óculo com uma pequena lasca. Parece que não, mas mais uma vez tive sorte. Afinal, o defeito é numa zona periférica do olho, e não me perturbou a visão (com óculos, claro). Por esta altura eu pensava na senhora que me vendeu os óculos e que tão amavelmente me ofereceu um seguro que por 10 euros anuais cobria eventuais acidentes como o que me tinha acabado de acontecer. No entanto eu estava a contar com usar os óculos por um mês (o mínimo que o médico me tinha garantido ser necessário) e por isso mandei-a bugiar e fiquei com os 10 euros no bolso...
As férias com óculos foram uma maravilha. Na praia não via nada, pois os óculos enchiam-se de sal e poeiras e era pior tê-los postos do que não os ter. Felizmente não precisava deles para ler, e então rapidamente passei a deixá-los no estojo. Ao mesmo tempo, tinha que fazer um esforço para descobrir onde é que andava a minha família. E se o pequenito era fácil de encontrar (também não costumava fugir para longe), o mesmo não posso dizer do resto da malta. Um dia peguei na máquina fotográfica, para tirar umas fotos ao meu amor no meio das ondas, mas nem com o zoom no máximo (12x) o conseguia encontrar. E quando o descobri lá no meio, de cabelos loiros à solta, pele branca, e calções pretos, preparei-me para tirar uma foto. Entretanto, apanhei um susto de morte quando, enquanto eu estava com um olho fechado e o outro encostado à máquina, o meu amor chega e me agarra o braço. Além do susto ainda tive que levar com um “mas porque é que estavas a tirar fotos àquele velhote???”
Quando voltei, tive que esperar que o médico também voltasse das suas férias para então tratar da saúde aos meus olhos. E logo que ele teve uma vaga, lá fui eu.
A operação em si não foi nada de extraordinário, e as partes do laser até foram as que incomodaram menos - o laser não doeu nada a fazer os cortes, e foi bastante rápido: o primeiro laser deve ter demorado cerca de um minuto e o segundo 15 segundos. A parte mais chata foi terem-me metido uma espécie de mola de metal nos olhos para nao os deixar fechar, e depois o médico e as assistentes terem-se fartado de esguichar para os meus olhos líquidos atrás de líquidos e ainda o médico ter andado com um objecto branco tipo cotonete a pôr a pele no lugar. Essa parte foi um bocado incomodativa.
Apesar de ter estado debaixo do laser durante momentos breves - o que é um minuto na vida de uma pessoa? - ainda deu para o meu cérebro se meter em algumas memórias menos agradáveis naquelas as circunstâncias. Lembrei-me dos filmes em que as pessoas são raptadas por extraterrestres - aquela gente toda à minha volta com batas brancas e máscaras, e as luzes brancas mesmo por cima de mim eram demasiado semelhantes a um filme de ETs. Apesar ter estado bastante calma durante a maior parte do tempo, houve um certo momento em que entrei em pânico. Estava de baixo do primeiro laser, de olho aberto, não via nada e sentia algo a fazer pressão contra o olho, e o meu coração começou a bater a 100 à hora, sem que eu saiba porquê. O médico mandou-me respirar (devo-me ter esquecido), e eu pensei - eu já tive um filho, isto não é nada, está quase a acabar, e logo me acalmei. Mas foi um alívio, uns segundos depois, poder fechar o olho.
Depois da operação vim para casa pelo meu pé, com uns óculos de sol tipo ciclista e bastante escuros. Os olhos fartaram-se de chorar e o olho esquerdo era o que estava pior: sentia que tinha uma pestana lá dentro (mas não tinha nada) e nem sequer podia coçar, porque uma pele do olho tinha sido cortada e não se pode mexer nos olhos durante dois dias que é para essa pele colar no sítio certo.
O pior foram as 3 horas depois da operação. O médico deu-me uns comprimidos para as dores (3 para durante o dia mais 2 para a noite), mas eu não tinha dores nenhumas, tinha era uma comichão maluca principalmente no olho esquerdo. Mesmo assim, tomei dois comprimidos durante as primeiras horas, o que ajudou pelo menos a que ficasse com sono, e depois não tomei mais nenhum.
Durante essas horas praticamente não podia abrir os olhos, ou se os abrisse saíam umas lágrimas enormes que não paravam. Ainda para mais afectou-me o nariz e tinha que estar sempre a limpá-lo, parecia que estava com gripe. O médico tinha-me aconselhado a dormir, que é a única coisa que eu poderia fazer bem com os olhos fechados, mas com aquela comichão toda eu não conseguia dormir. E o tempo custou-me imenso a passar, porque não podia fazer nenhuma das minhas actividades preferidas, nem ler, nem ver televisão, nem ir para o computador, nem sair, claro. Depois de 20 minutos de não fazer nada na cama (e desesperar ao aperceber-me de que os minutos esavam a passar tão devagar), fui para o sofá ouvir televisão, mas ainda para mais àquela hora não havia nada de jeito. Felizmente o meu mais que tudo ficou a tomar conta de mim, e arranjou-me uma toalha com gelo, que ajudou a passar a comichão e a adormecer.
Quatro horas depois, ainda nao estava a 100% mas já tinha deixado de usar os óculos normais, via nitidamente ao longe, mas ainda precisava de óculos escuros dentro de casa pois estava com hipersensibilidade à luz.
24 horas depois da operação fui fazer o controlo, e estava tudo em ordem. O mais impressionante é que já estava a ver 120% (acima da média da população) e o médico garantiu que nos dias seguintes a minha visão iria melhorar mais. E até agora, tem melhorado. Já passaram 5 dias e vejo lindamente, estou muito contente com o resultado e com o facto de já não ter que usar os óculos nem de os limpar constantemente.
O único senão é que sem óculos, as pessoas não me levam tão a sério. :) 9 comentário(s)