quinta-feira, março 01, 2007

Saudades

Já tive saudades de tudo. Da comida, do mar, do ar, da condução suicida, dos bolos (ah, os bolos), das batatas fritas sem sabores, dos bares das discotecas, dos restaurantes, dos amigos, da família. Já tive saudades do tempo, dos sítios, das pessoas, da língua, até dos carros (como se isso fizesse algum sentido), dos atrasos crónicos, do sol de lá, dos pores do sol (do nascer do sol nunca, vi poucos e não me dão saudades nenhumas, dêem-me antes o quentinho da cama). De acordar com o sol na cara. Dos centros comerciais, das livrarias, dos cafés, das rádios, da televisão, dos cinemas, da sessão da meia noite e da das duas da manhã, que deixou de haver. Das lojas, das sapatarias, das vendedoras fantásticas, do multibanco, dos telemóveis sempre a tocar, das conversas de autocarro, das pessoas nas paragens a queixarem-se da vida, da saúde, da corrupção que as toca de perto que a outra não interessa.
Até já tive saudades de sítios onde não estive, de coisas que não fiz, e de comida da qual não gosto, afinal é possível sentir-se a falta do que não existiu, e ter saudades também. E de pessoas que não conheci, também tive saudades, de concertos a que não fui, da vida que não vivi.
E agora já não tenho. Parecia-me impossível, mas aconteceu. Temporariamente, ou permanentemente, a doença do emigrante passou-me. Não é que não gostasse de ter uns pastéis de Belém à disposição sempre que me desse no goto. Ou que me chateasse ter uns centros comerciais a sério, abertos à noite e aos domingos, antes pelo contrário. Mas uma pessoa habitua-se a tudo. Trocar de hábitos tem a sua piada. E eu não queria passar pela vida como se tivesse vivido uma vez só, a fazer sempre as mesmas coisas, nos mesmos sítios, com as mesmas pessoas. Há coisas e gente de quem vou gostar a vida inteira, com quem me vou sentir sempre bem. Mas há outras pessoas com quem vou gostar de estar e que ainda nem conheci, e outras de quem começo a gostar. E ainda tenho um montão de coisas para fazer e um montão de gente para conhecer. Para poder continuar a viver.
4 comentário(s)

4 Comentário(s):

Voncordo com a ideia, mas porque será que a minha febrezinha não desaparece?
ás vezes penso que eventualmente vou ter que me render ás evidências, mais cedo ou mais tarde lá chegarei, de malas e óculos-de-sol, ao destino do meu destino...

snow, mais um post daqueles!! (como é que consegues?? isso vem tudo aí bem de dentro, não?)

By Blogger Cromossoma X, at 1:46 da manhã  

Tal e qual. Percebo cada palavra.
O sentimento é em tudo semelhante :)

By Blogger Tiago Franco, at 10:06 da manhã  

snow, pronto, mais 1 post tal e qual o q me vai na alma. Estive a falar disto com a minha cara-metade ainda ontem! É que se não se tiver esta atitude postiva, de valorizar o q temos no momento em q temos, passamos a vida toda com saudades do q ficou, de onde não estamos, etc. Uma maçada. Aprendi há anos a gostar dos momentos presentes. E isso sabe-me bem melhor q todas as saudades do mundo ;) Beijos

By Blogger cris, at 5:19 da tarde  

O ups pôs-me a pensar nestas coisas... e depois foi só escrever. :)

By Blogger snowgaze, at 9:34 da tarde  

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