quarta-feira, janeiro 31, 2007
Recordações
Lembro-me da minha mana mais pequena ainda usar fraldas, e de a minha mãe me pedir que as fosse buscar, ao gavetão de baixo do meu guarda-fatos. E lembro-me de nos deixarem, às filhas, em casa dos avós, para irem não sei onde.
Lembro-me de fazer cinco anos, de receber roupa de prenda e detestar, e ainda uma data de livrinhos de histórias que li, reli, e de onde mais tarde recortei os desenhos e colei noutro lugar. Lembro-me de, também por essa idade, a minha mãe uma vez me ter deixado sozinha em casa, à tarde, porque eu estava a dormir, e quando ela voltou, tinha eu acabado de acordar, ela me perguntar se tinha lido a mensagem que ela me tinha deixado - eu nem tinha visto nada. Lembro-me de ter pesadelos com o Joe Índio, e lembro-me de um pesadelo recorrente, em que passava o tempo todo a fugir não sei de quê, e ao fugir passava num caminho que tinha um carocha vermelho. E lembro-me de uma vez ter visto um filme com canibais e depois sonhar que uns canibais me queriam comer, e de eu fugir , fugir, fugir, os canibais apanharem-me e levarem-me para a "casa" deles, e depois a canibal que ia fazer a comida pôr-me em cima de uma mesa, e enquanto começava a preparar o almoço - eu - os bichinhos comerem-me toda.
Lembro-me de, teria aí uns 4 anos, me divertir com a minha irmã a fazer de conta que escrevíamos grandes cartas, e onde a única coisa realmente legível, a única coisa que realmente sabíamos escrever, era "RTP". E lembro-me da empregada ter um filho chamado Valentim, que era o nome de tinta para pintar casas.
Ainda antes disso, lembro-me de a minha mãe arrumar os produtos de toilete na malinha de "fim de semana", quando íamos a casa da minha avó. E lembro-me de perguntar se os meus tios iam lá estar, pois isso era brincadeira garantida. Lembro-me de o meu tio me levar a passear com os amigos dele, quando eu era mesmo muito pequenina, de me levar ao café e me deixar ficar a brincar com as máquinas (sem moedas, mas mesmo assim), e de me levar ao parque para andar de baloiço.
E antes disso, não me lembro de nada. Não me lembro de mudar de localidade, de mudar de casa, da minha irmã nascer.
Não me lembro de nascer, não me lembro de começar a existir, não me lembro de coisas que sei que aconteceram. E pergunto-me, será que existi, nesses momentos de que não me lembro? Claro que existi, mesmo que eu não me lembre, havia outras coisas e pessoas que garantem que eu estava lá, a própria vida traz-me a certeza de que existi. Ainda assim, e antes? 4 comentário(s)
4 Comentário(s):
Mesmo que não tenhas existido.. lembras-te que sim e isso deve chegar.
By ups, at 9:35 da manhã
O meu problema é o inverso - se não me lembro de ter existido, existi mesmo? No limite, houve uma altura em que os meus átomos estavam espalhados por uma data de sítios diferentes, e como tal eu não tinha consciência de "mim". Essa parte é que me intriga.
By snowgaze, at 5:56 da tarde
Nao sei do resto, mas é um post genial...
By Rita Maria, at 4:08 da tarde
Eu tambem tive pesadelos com o Joe o Indio. E com os romanos (do Asterix e Obelix), que tinham espadas muito grandes e eram carrancudos. Belo post!
alvaro