terça-feira, outubro 10, 2006

Queridos Inimigos

Caro Inimigo Fidagal,

Já lá vai algum tempo desde a última vez que tive o desprazer de me obrigar, por motivos de força maior, a monologar consigo. Sim, monologar, porque para dialogar consigo seria necessária uma besta, que é o único animal que compreende o seu linguajar.
Soube por vias travessas, na avenida que vai dar à praça da Feira, que se prepara para usurpar os terrenos a Norte do meu castelo de Terreola. Pois fique sabendo que esses terrenos sao meus de direito e que nao pretendo abdicar deles sem lhe dar luta, da qual sairei, inevitavelmente, curioso furioso vitorioso. Bem sei que, antes de eu nascer, a minha mae andou metida com o criado, e que na realidade o meu pai nao é o conde, mas sim o moço da estrebaria, e até deve ser por isso que até hoje eu só me sinto bem é no meio da palha, e o cheiro a cavalo dá-me suores frios. No entanto, isso sao pormenores de somenos importância. Nas minhas veias escorre sangue azul, sim, que o moço da estrebaria também tinha ascendentes na realeza, e esse sangue é o que me dá força empunhar espada, pistola, carabina, ou até mesmo, vá lá, uma moca. Atreva-se a pôr um só pé que seja nos meus territórios, e esmagá-lo-ei como uma lesma, apunhalá-lo-ei, nao pelas costas, mas como me der mais jeito, sová-lo-ei conforme me aprouver, e corrê-lo-ei à cacetada dali para fora. Socorrer-me-ei de qualquer uma das armas mencionadas, ou outras que se encontrem a jeito, por forma a evitar que o meu caro inimigo se atreva a conspurcar aquilo que me pertence.
Com os melhores incumprimentos,

Inimigo Figadal




Caro Inimigo Figadal,

Ler a sua carta deu-me logo a volta aos fígados, isto porque estava a comer um manjar dos deuses que o meu novo cozinheiro preparou. Infelizmente tive que o despedir pois afinal ele é um incompetente e andava a tentar envenenar-me que eu bem sei. Vossa excelência deve-me ter confundido com o míldio, que ataca as uvas com que os seus criados, cujo sangue é igualzinho ao que corre nas veias do meu caro inimigo, produzem aquela mixórdia a que chama vinho mas que mais nao é do que o amargo sumo de uva da pior qualidade misturado com água, que o vinho a martelo é a sua especialidade, e ainda com chulé do mais mal cheiroso que se possa imaginar.
Quanto ao martelo com que me ameaça, tenha cuidado, nao lhe vá cair no pé, e piorar ainda mais o estado já de si deplorável daquela unhaca nojenta que já teve todas as cores desde amarelo-bílis até ao preto mais retinto, e à qual o meu caro inimigo insiste, na sua tonteria, em atribuir poderes especiais. Só se for o poder de enojar ao ponto de causar vómitos a toda e qualquer pessoa ou animal que vislumbre tal aberraçao da natureza.
Aconselho-o a nao recusar a visita do charlatao curandeiro que se auto-apelida de médico quando todos os dias lhe bate à porta, e a aceitar as mezinhas que ele lhe traz. Tome-as, nao receie, e verá que a vida se tornará mais agradável, cor de rosa, até. Se por acaso vir umas nuvens amarelas ou uns elefantes azuis, nao se apoquente, a única coisa que tem a recear é a luz branca que indica que vai desta para melhor, o que infelizmente ainda deve demorar uns bons anos. De qualquer forma, tenha cuidado com os ratos de esgoto e outras ratazanas imundas com que partilha o palheiro a que chama castelo e que lhe têm vindo a contaminar a comida, e os remédios. É por isso que o sangue lhe escorre das veias, os infames roedores deram-lhe umas dentadas e o meu caro inimigo nem sentiu nada. Sim, o meu caro inimigo anda a alucinar e nem faz a menor ideia.

Com os piores cumprimentos,

Inimigo Fidagal.
2 comentário(s)

2 Comentário(s):

Isto fez-me lembrar de um certo livro de história do 9º ano de uma das manas, que acabou por gerar um rol de discussões por escrito com uns ares requintados :P

By Blogger LiLith, at 11:04 da tarde  

Nao estou a ver que história é essa. Mas fizeste-me lembrar uma certa carta, tamanho A4, cheia de frases e palavras mas que nao dizia absolutamente nada...

By Blogger snowgaze, at 11:28 da tarde  

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