domingo, setembro 10, 2006

Partidas

Tive uma infância feliz. Adorei crescer com as minhas manas, andar à solta pela minha rua, jogar à bola com os rapazes (e algumas miúdas que também tinham tomates), partilhar os meus amigos e as amigas das manas, correr atrás das galinhas e dos patos, brincar com pintainhos na feira, apanhar passarinhos caídos do ninho na primavera e praticamente matá-los (sem querer claro, eu estava era a tentar ensiná-los a voar), patinar no gelo no primeiro andar de uma construçao abandonada no caminho para a escola, usar galochas e andar em poças de água gigantes, subir às árvores, roubar fruta do quintal dos vizinhos, apanhar amoras das silvas no verao, inventar jogos (por exemplo: futebol de bicicleta), discutir os desenhos animados com os miúdos da minha rua, fazer carrinhos de rolamentos, fazer uma fisga e respectivos grampos a partir de cabos eléctricos, fazer "bombas" com centenas de fósforos (nao sei como é que a minha mae nunca deu pela falta dos fósforos), comer os rebuçados todos que havia no armário e deitar as culpas no meu pai (que se ria quando ouvia a acusaçao, o que na minha família significa admissao de culpa), fazer guerras com água na varanda ou na cozinha e depois fazer de conta que tínhamos passado a manha a limpar o chao, e até fazer guerras com os morangos que o meu pai tinha acabado de trazer. Estas memórias, e muitas outras, ainda hoje me fazem sorrir e agradecer a sorte que tive (e ainda tenho) na vida. E ao mesmo tempo fazem-me pensar nos miúdos de hoje, e nas possibilidades que eles têm de se divertir. Hoje em dia é impensável deixar os miúdos à solta na vizinhança de prédios em construçao (eu subi os meus primeiros andaimes aos 7 anos, mas se o meu puto andasse a fazer o mesmo dava-me uma coisa), e mesmo deixá-los ir sozinhos para a escola já é uma grande coisa. Deixá-los em casa sozinhos é coisa que nao passa pela cabeça de ninguém (ou só de alguns inconscientes ;)) e só pensar em deixá-los andar de bicileta por aí, sem vigilância nenhuma, dá dores de cabeça a alguns pais. Pessoalmente tenho imensas precauçoes com o miúdo, mas acabo por ceder em algumas coisas, desde que ele mostre ser responsável e respeite as regras, como a hora de chegar, ou ir apenas onde diz que vai (até ao parque que fica a uns 50 metros de casa) e ficar sempre com os amigos com quem foi. Ainda assim, confesso que eu, com a idade dele, tinha muito mais liberdade. Podia andar na rua até às tantas no verao, e a única regra era que tinha que voltar para casa imediatamente quando o meu pai chamasse. E mesmo quando íamos para a terra dos meus avós podíamos andar à solta sem que ninguém se incomodasse com isso. Era assim que todos faziam. E hoje em dia, toda a gente se preocupa, aparentemente, demais. Eu também.
Outra coisa que adorávamos fazer era fazer partidas ao telefone. Escolhíamos um número (local) ao calha, e inventávamos uma história estúpida qualquer. As pessoas podiam cair ou nao, mas o mais importante era a brincadeira, e o mais difícil era nao nos partirmos a rir ao telefone. E às vezes calhava telefonarmos para casa de algum colega da escola, mas nao era isso que nos impedia de continuar a brincadeira. E quando éramos nós as vítimas das chamadas de engraçadinhos, nao tardávamos a virar o bico ao prego e pregar uma partida a quem nos estava a telefonar.
Como é que será que os putos hoje em dia fazem partidas ao telefone? Com os telefones, mesmo os fixos, a indicarem quem é que nos está a telefonar, como é que os putos se safam? Chamadas nao identificadas, talvez? Com a proliferaçao de telemóveis - quase todos os miúdos de 10 anos têm um, e já vi mesmo miúdos de 5 anos com um telefone na mochila - as possibilidades concerteza serao ainda maiores. Consigo imaginar meia dúzia de partidas com telemóveis que têm câmara incorporada. E se eu consigo imaginar meia dúzia de um momento para o outro, os miúdos muito provavelmente conseguem imaginar uma centena delas de um minuto para o outro.
2 comentário(s)

2 Comentário(s):

É verdade o que dizes, com 8 anos ia sozinha para a escola e com 10 anos ia sozinha para todo o lado, lembro-me de andar na preparatória e ir de metro com as minhas colegas já nem sei fazer o quê.Também não consigo imaginar o meu filho quando tiver essa idade a andar por aí sozinho. E depois com esta história da miúda austríaca, ainda pior.

By Anonymous Anónimo, at 6:14 da tarde  

Revi a minha infãncia neste teu texto. Subscrevo tudo o que dizes, às vezes dou comigo a fazer comparações com aquilo que eu fazia (ou me deixavam fazer) e a preocupação que tenho com os meus filhotes, que no fundo, não fazem nada de mais, embora reconheça que aqui ando bem mais despreocupada do que em Portugal (nem sei se é bom ou mau). Vivo numa rua mt sossegada onde toda a gente se conhece e por isso as crianças embora andando mais ou menos livremente estão debaixo de olho. Para já com as idades deles (3, 5 e 9) tudo vai estando controlado, daqui a uns anos qd tiverem que mudar de escola, irem sozinhos de bicleta etc, e com as noticias que às vezes se ouvem, o caso vai mudar de figura, mas até lá nem quero pensar mt nisso, o que interessa é que eles tenham noção de responsabilidade e que a gente possa confiar neles.

By Blogger Micas, at 10:27 da tarde  

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