quinta-feira, setembro 07, 2006

Felizes para sempre

Quando era miúda lia imensos livros. Tudo o que vinha à rede era peixe, e eu lia os livros que os meus pais me compravam, os que os meus amigos me emprestavam, os da biblioteca da escola, e os da biblioteca municipal. Conhecia a secção infantil-juvenil da biblioteca de cor, e saltava de alegria nos raros dias em que a biblioteca recebia livros novos. Passava manhãs e tardes enfiada na biblioteca, a ler livros e a dar com a bibliotecária em doida pois eu escolhia sempre as histórias mais engraçadas e não tinha problemas nenhuns em rir alto no meio do silêncio sepulcral da biblioteca. Depois de cada visita, ainda levava o máximo permitido de 5 livros para casa, para ler logo que não tivesse outras coisas para fazer. Obviamente, naquele tempo não havia computador, nem consolas de jogos, pelo que o tempo chegava e sobrava para brincar na rua, esfolar os joelhos, brincar com fisgas e carrinhos de rolamentos, ver televisão à fartazana e ler todos os livros que havia na biblioteca.
Hoje em dia volto à infância diariamente através do meu miúdo. Vemos televisão juntos, jogamos consola um contra o outro, fazemos jogos juntos, montamos legos, e leio-lhe histórias. (Re)encontro os livros da minha infância, compro-lhe livros que ele lê sozinho mas que eu também leio (“a aventura no game boy” por exemplo), aproveito os livros que a professora lhe manda para lermos os dois antes de ele ir dormir. E concluo que, passados estes anos todos, já não gosto de histórias que acabam com “casaram, tiveram muitos filhinhos, e foram felizes para sempre”. Se é que alguma vez gostei. Este é o final que toda a gente está à espera, o final pré-definido, o final que não dá pica nenhuma, que não se sabe se é politicamente correcto - e será politicamente correcto porque é o final que sempre foi utilizado - ou se é o final politicamente incorrecto - porque afinal está-se a estereotipar as criancinhas incutindo-lhes a ideia de que só se pode ser feliz para sempre se se casar e tiver muitos filhinhos. Quando o miúdo ainda não sabia ler, eu inventava sempre as histórias. Dizia-lhe que a princesa ia matar o dragão para salvar o príncipe que estava amordaçado numa torre muito alta, mas que conseguia sobreviver sem comer nem beber nem ir à casa de banho porque lhe tinham dado uma poção mágica muito potente, e no final a princesa pura e simplesmente salvava o príncipe e ele ficava muito contente. Ou que uns cavaleiros muito valentes desafiavam o rei que nunca oferecia a mão da princesa porque não se pode oferecer aquilo que não é nosso, mas sim riquezas variadas: não o sempiterno ouro, mas outras coisas bem mais valiosas, jogos de computador, playstations, parques de diversões com acesso ilimitado e escorregas gigantes. Agora que o miúdo já lê, não posso inventar a história. Se estamos a ler, é para ler o que lá estar como deve ser, sob pena de o senhor professor meu filho me repreender por estar a inventar o que não está escrito. (Onde é que vais? Tu estás a ler tudo mal, volta ali àquela página!) Hoje em dia, já não me divirto com os clássicos infantis (as histórias dos irmãos Grimm, as fábulas de La Fontaine, e outros), tenho que procurar novas histórias para contar. Quando abro um livro desconhecido procuro logo o fim. Se tiver as palavras mágicas (“casaram, tiveram muitos filhinhos e foram felizes para sempre”) não compro. Não quero estar a enganar o miúdo.
1 comentário(s)

1 Comentário(s):

Acho que tens toda a razao. de repente, vieram-me umas saudades dos livros Historias do Avozinho. Os desenhos eram fantasticos, o cheiro do papel... e as proprias historias. Saudades mesmo... :)
conheces?

By Blogger Mãe Minhoca, at 11:30 da manhã  

Enviar um comentário página inicial