quarta-feira, janeiro 25, 2006

Viver em várias línguas

(publicado também no Portugal no Mundo)

Quando mudamos para um país estrangeiro há muitas coisas que ao início estranhamos. A comida, o clima, os costumes, as reacções das pessoas a coisas que para nós são normais e para elas muito estranhas. Com o tempo, vamo-nos adaptando ao novo país, à nova casa, novos amigos, e novos hábitos se vão criando.
Penso que muitos emigrantes acabam por ter mais apetência para conhecer outros emigrantes, e assim, além do contacto com os nacionais, acabam por ter um círculo de relações em que entram pessoas de variados países.
Além disto, há o factor trabalho. Um emigrante sai do seu país para ir trabalhar noutro, em que se fala uma outra língua. Logo aí, passa a ter a "obrigação" de conhecer duas línguas. E em muitos casos, pode ter que conhecer uma terceira língua, que usa no seu trabalho (como o inglês). Por exemplo, um português que venha trabalhar para a Alemanha poderá continuar a "funcionar" em português, passar a falar inglês diariamente no seu trabalho, e ter que falar alemão no dia a dia (afinal, é essa a língua que se fala no país). À partida, são logo 3 línguas. No entanto, o número pode aumentar consoante o trabalho que se tem (às vezes é necessário conhecer e trabalhar em mais que uma língua) e os colegas e amigos que passam a fazer parte da sua vida. Por exemplo, tenho notado que os portugueses se juntam muitas vezes a espanhóis e italianos, provavelmente por terem uma mentalidade mais parecida com a nossa. E nestes casos, são normalmente os portugueses que se esforçam por falar portunhol, espanhol, ou até o italiano. Daí que muitas vezes um emigrante português acabe por falar, ou melhor viver em, 3, 4 ou até 5 línguas.

Admito que isto tem as suas vantagens. Maiores possibilidades de fazer amigos, melhor integração em grupos, maiores possibilidades de absorver informação. Evidentemente, tem também as suas desvantagens. Quando costumamos usar uma das línguas num certo contexto, é difícil utilizar outra língua nesse contexto. Um exemplo pessoal: a mim, custa-me imenso falar em português sobre o meu trabalho, porque nem sequer conheço os termos específicos em português que seriam necessários nesse tipo de conversa. Ao mesmo tempo, há certas palavras e conceitos do alemão que me custam traduzir para outra língua, porque nunca os usei a não ser em alemão ou até porque se referem a coisas específicas da Alemanha. Como é que se traduz uma renda "warm" (renda que inclui outros custos obrigatórios para além do aluguer da casa/apartamento em si)?
Com o passar dos anos, tenho a sensação de que a facilidade de utilização em cada língua se vai nivelando. Acho que agora me custa mais falar em inglês do que quando vim para cá (falham-me as palavras, coisa que antes não acontecia), e dou comigo a pensar como é que se diz qualquer coisa banalíssima em portugues (ontem não me conseguia lembrar da palavra remetente). Para compensar, o meu alemão está cada vez melhor, embora leve o seu tempo, e o meu espanhol, que nunca foi nada de especial mas é o suficiente para ter algumas conversas divertidas com os espanhóis, tem vindo a melhorar pouco a pouco.
Ainda assim, dou comigo a dizer barbaridades como "eu livo em Munique" e a ficar baralhada com o ar de incompreensão do meu interlocutor.

Não estudo gramática, mas pelo menos preocupo-me em verificar no dicionário as palavras que me põem dúvidas. Continuo a ler e ouvir português nos jornais e televisões, e apercebo-me de que os jornalistas muitas vezes dão erros de palmatória que esperaria ouvir de um emigrante, e não de um português residente em Portugal. Os francesismos e inglesismos já eram, hoje em dia pega-se na palavra inglesa e dá-se-lhe uma terminação portuguesa, mesmo que o sentido da palavra em inglês seja bem diferente do sentido da palavra em português. Definitivamente ("que define; terminante; ultimado; que não voltará a repetir-se"), é um exemplo típico destas palavras (do inglês definitely: sem dúvida).

Não é fácil viver e conviver com muitas línguas ao mesmo tempo, e continuar a dominá-las a 100%. Mais ainda, nos casos em que se perde contacto com o país de origem, e se deixa de ter acesso à informação escrita, e quando se deixa de ter a possibilidade de praticar a língua, falando-a. Ainda assim, penso que os emigrantes que por aí vou encontrando (na net, e nas ruas de Portugal ou da Alemanha) falam bastante bem a língua materna. Ainda que, de vez em quando, lhes custe a sair alguma palavra, ou lá dêem um pontapé na gramática. Os portugueses residentes em Portugal também não são um exemplo de perfeição no que toca a falar e a escrever a própria língua.
4 comentário(s)

4 Comentário(s):

É mesmo isso! E isto é com adultos. Porque com as criancas é dez vezes mais facil. Por isso ja sabes, com a tua rebenta alema, vais falar sempre portugues! O ingles e o alemao ela vai aprender de qualquer maneira! :)

By Blogger Mãe Minhoca, at 3:11 da tarde  

Eu também sinto isso.
E acontece-me outra coisa: no meu dia-a-dia falo só português e francês. No entanto, a rpimeira língua estrangeira que aprendei foi o inglês, e é também a que melhor domino. Ora, acontece que, como o meu sistema está em português e francês, quando preciso de falar inglês, ao princípio só sai asneirada. Preciso de um tempo de adaptação... depois vai, se falar durante algum tempo, chego a recuperar uma pronúncia relativamente aceitável.

By Blogger Helena Romão, at 9:14 da tarde  

leio em português ou em alemão? essa é a minha guerra diária. não falo português aqui mas tb nunca vou atingir o nível de alemão que gostaria... entretanto estudei jornalismo e um dos idiomas vou ter que dominar. acho que acaba por ser mais fácil o português.
a aprendizagem de idiomas não deixa de ser um processo muito interessante. no início a assimilação é muito rápida. Imagina um gráfico. A linha de aprendizagem cresce sem pé no travão. chega-se então a um ponto de estagnação, que é onde estou c o alemão e donde não consigo fugir. a meu ver é muito frustrante. Aprendo em média uma palavra por dia ou nem isso, o que acaba por ser muito pouco. eu aprendo alemao há 10 anos e às vezes tenho dificuldade em expressar-me sobre certos assuntos, mesmo os do dia a dia. a gramática já a deixei de lado há muito.
enfim, não era mesmo o Oscar Wilde que dizia "Das Leben ist zu kurz, um Deutsch zu lernen"? Começo mesmo a acreditar que sim...

By Blogger C., at 10:56 da tarde  

catarina: essa citação é muito boa! tenho que contá-la ao meu prof de alemão eheheh :)

By Blogger snowgaze, at 11:04 da manhã  

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