quarta-feira, outubro 27, 2004

Financiamento do ensino público

Luís Aguiar-Conraria escreve hoje no público uma tese sobre o financiamento do ensino superior público. A mim até nem me choca ouvir qualquer ideia do género "quem estuda, mais tarde tem melhores rendimentos, e por isso deve pagar", mas incomoda-me a incoerência de quem argumenta como este senhor o faz. Na semana passada ele dizia que os professores deviam ser avaliados pelos alunos, e que deviam ser tomadas medidas para melhorar o desempenho ou eventualmente afastar os piores professores. Concordo plenamente, uma vez que sofri as consequências de ter maus professores no ensino universitário. Esta semana, ele diz que os alunos só se tornarão exigentes se tiverem que pagar propinas. Discordo. Eu sempre fui exigente, apesar de ter pago propinas relativamente baixas enquanto estudava. Notei que à medida que os anos iam passando, eu cada vez pagava mais propinas (resultado de mudanças de governos e de políticas) e obtinha piores condições na universidade onde estudava. Não me parece que o mero desvio da fonte de rendimentos das universidades vá modificar alguma coisa nas condições de estudo dos alunos.

Acho inacreditável que se fale em empréstimos aos estudantes para financiarem os seus estudos, no contexto de pagamentos da ordem dos mil contos por ano (e porquê mil e não mais?), para que os "pobrezinhos" possam na mesma estudar e mais tarde pagar esse empréstimo em condições possíveis, e não se fale em promover a excelência. Porque é que quem quer que os estudantes universitários paguem os seus estudos não quer que os estudantes que são excelentes, independentemente de serem ricos ou pobres, sejam excluídos desse pagamento? Porque é que só se preocupam com o financiamento, e não se preocupam com algo muito mais importante, que é a cultura de excelência quase inexistente no nosso país? E porque é que não se preocupam em recompensar os que se esforçam para ser os melhores, em vez de apenas apontarem aqueles que passam as noites nas discotecas (e muitas vezes acabam por desistir dos cursos passados alguns meses ou anos)?

Até seria capaz de aceitar o financiamento do ensino público ser feito em grande parte pelos estudantes, mas nunca aceitarei a cultura de mediocridade em que um aluno que acabe o curso com um 10 ou 11 valha o mesmo do que um aluno que acaba o curso com 14 ou 15 (numa universidade pública). Nunca aceitarei a cultura de mediocridade que se recusa a aceitar que os melhores alunos sejam de alguma forma compensados. Enquanto esta cultura não mudar, não vejo grandes razões para os alunos tentarem ser excelentes. E o país precisa de excelentes alunos.

Finalmente, este senhor esquece-se (mas não é o único), que há alunos que vêm de outras cidades, que têm que fazer o esforço financeiro suplementar de pagar um quarto, alimentação, entre outras despesas inerentes a abandonar o lar familiar. O custo de ir estudar para outra cidade (ou deveria dizer para "uma" cidade, pois muitas vezes estes alunos vêm de locais onde não há sequer universidades) supera facilmente os tais mil contos por ano.

Os alunos das universidades privadas que conheci, moravam todos com os pais. Entre estes alunos, não havia filhos de pescadores, como havia na universidade pública que eu frequentava. Entre pagar propinas de mil contos, ou pagar a vida fora do lar familiar (só no quarto, hoje em dia entre 40-50 contos por mês, ou seja 480-600 contos por ano, mais a alimentação e as viagens para estar com a família), não vejo como é que as duas coisas poderiam ser acumuladas. E nem vejo porque é que quem sempre viveu no interior, e tem de pagar impostos para a cultura, estradas, e outras coisas que nunca utilizou nem provavelmente virá a utilizar, teria de ser forçado a pagar o preço da interidade também ao ser forçado a ir estudar para um local a muitos kilómetros de distância.
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